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A importância das populações tradicionais na conservação oceânica

Atualizado: 7 de jun. de 2021

Autores: Mariana P. Haueisen, Raphaela A. Duarte Silveira, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró



Fotografia da silhueta de um pescador segurando vara de pescar em pé em uma canoa motorizada no mar. Ao fundo, é possível ver o brilho do sol no céu avermelhado.

Pescadores artesanais podem ser enquadrados como pertencentes às comunidades tradicionais. Fonte: Lekies/Pixabay.



Tradição vem do latim traditio, que significa passar uma informação para frente, passar uma informação de geração para geração. A partir disso, surge o conceito de populações tradicionais, também chamadas de comunidades tradicionais ou povos tradicionais. São grupos de pessoas que possuem cultura e modo de vida diferenciados da comunidade predominantemente local - que, no geral, faz parte do contexto urbano-industrial - e se reconhecem por meio dessas características específicas. Além disso, essas populações passam sua cultura, conhecimento e modo de relação com o meio de geração a geração, fazendo parte da história. Exemplos de populações tradicionais no Brasil são quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores, caiçaras, jangadeiros, extrativistas, seringueiros e caboclos.



IMPORTÂNCIA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS


As populações tradicionais têm um modo de vida específico e uma relação com o meio que vivem de característica secular. Vivem há anos em um determinado local, o que permitiu o desenvolvimento de uma relação intrínseca com aquele meio. O modo de manejo e extração, que vem sendo desenvolvido por muito tempo, possibilita a sobrevivência dessas comunidades através do equilíbrio com o funcionamento dos ecossistemas. É uma relação de subsistência sem objetivo comercial e exportador em grande escala.


Por viverem há séculos em um mesmo local, têm um conhecimento muito forte do funcionamento da natureza, adaptando-se a esse funcionamento para sobrevivência. Diferente do modo de consumo global atual, que retira da natureza sem se adaptar ao tempo de reposição dos estoques de recursos que ela precisa.


Portanto, essas comunidades carregam o etnoconhecimento: o conhecimento das populações tradicionais que foi passado de geração a geração, desenvolvido a partir da relação cotidiana e interação direta com o meio em que vivem e com seus fenômenos naturais.



Fotografia da vista de uma região costeira. O mar quebra chegando até a areia em meio de rochas. O mar é azul e se encontra com o céu nublado. Ao fundo é possível ver a silhueta de uma montanha. À esquerda, em primeiro plano, há um coqueiro com folhagem esverdeada e vegetação arbustiva em sua base.

As comunidades tradicionais têm um enorme conhecimento do funcionamento ecossistêmico: atividades dos ventos, das chuvas, marés, fases da Lua e uso dos espaços pelas espécies. Além disso, reconhecem a interdependência entre todos os seres vivos e dos aspectos naturais abióticos. Fonte: Christian Joudrey/Unsplash (CC0).



Essas pessoas, por dependerem dos ciclos naturais, possuem um grande conhecimento quanto aos ciclos biológicos, à reprodução e migração da fauna, à influência da Lua nas atividades de corte da madeira e nas marés, aos sistemas de manejo dos recursos naturais, ao impedimento de certas atividades em determinadas áreas ou períodos do ano, tendo em vista a conservação das espécies, entre outros. Comunidades tradicionais são capazes de fazer o manejo da fauna e da flora, conservar, preservar, e até potencializar a diversidade biológica.



PROBLEMAS ENFRENTADOS PELAS COMUNIDADES TRADICIONAIS


Lamentavelmente essas populações muitas vezes não são valorizadas e são ameaçadas pelo desmatamento, comércio urbano-industrial exportador, poluição, interferência cultural, desvalorização histórica, crescimento urbano e perda de terras. O que podemos concluir é que a sociedade geral não valoriza essas importantes comunidades como parte da cultura e história brasileira e o conhecimento dessas pessoas, sendo muitas vezes subestimado em relação ao conhecimento científico.


Até mesmo biólogos podem ser anti-humanistas, olhando apenas para o lado da preservação da natureza, querendo que ela seja intocada para garantir a não interferência antrópica nos ecossistemas, deixando de lado a própria espécie que vem caindo cada vez mais na miséria. Alguns governos e algumas organizações internacionais dão menos atenção aos direitos das comunidades humanas do que à vida selvagem, tornando-se menos humanistas em valores e mais economicistas, naturalistas e ecocêntricos.


Isso começou com a criação do modelo de unidade de conservação, a partir do qual a ideia era de criar um espaço para permanência da natureza sem interferência antrópica. Esse modelo de criação de áreas naturais protegidas envolve uma ideologia preservacionista pressupondo que a relação do ser humano com a natureza é sempre conflitante, isto é, pressupondo o homem como necessariamente destruidor da natureza. Ou seja, comunidades locais seriam incapazes de desenvolver um manejo sábio dos recursos naturais. Dessa forma, não foi permitida a existência de nenhuma forma humana nessas áreas de proteção integral, retirando desses locais pessoas que viviam ali há séculos e que têm total direito sobre a área.



Reprodução da capa do livro “O mito moderno da natureza intocada” de Antônio Carlos Diegues. É possível visualizar a capa da frente e de trás do livro. Ela é composta por uma ilustração de mata densa com colorações esverdeadas e foscas. O título, nome do autor, edição e editora estão em uma caixa de texto de cor sólida laranja. Na capa de trás, também em uma caixa de texto sólida laranja, há um breve resumo do livro.

Capa do livro “O mito moderno da natureza intocada”, de Antônio Carlos Diegues, sobre a relação de populações humanas com a natureza. Fonte: NUPAUB/USP.



Em países de terceiro mundo, a tentativa de impedir o uso da natureza pelas populações tradicionais pode trazer graves consequências, como: agravar as péssimas condições de vida de algumas comunidades, aumento de pessoas nas periferias das cidades, aumento da miséria, proliferação de favelas, entre outros. Pode também causar o aumento da degradação ambiental, pois, quando a população tradicional é expulsa do seu local, acaba ocupando outra área para construir sua nova moradia.


Quando as populações tradicionais são discriminadas por sua identidade sociocultural e impedidas do seu modo de vida, podem acabar desenvolvendo uma postura anti-conservacionista, passando a desenvolver práticas predatórias do meio ambiente como o único meio de garantir sua sobrevivência e não cair na marginalidade ou na indigência, ao invés de manter sua produção de subsistência.


Retirar essas pessoas de suas terras que estão ali há anos não é justo, pois vivem nesses locais há muito tempo. Quem realmente tem um grande impacto antrópico na natureza não são essas pequenas comunidades tradicionais, mas sim, o homem do contexto urbano-industrial consumista exportador, o homem que visa ao desenvolvimento econômico sem pensar em garantir a existência dos recursos naturais em mesma quantidade e qualidade para as futuras gerações. Em contrapartida, as populações tradicionais não querem degradar o meio natural, pois elas dependem dele para sobreviver.



 Infográfico de fundo verde com escrito em lestras grandes pretas ao meio "O que impacta a natureza?". Dessa mensagem maior saem setas verdes para escritos menores: desmatamento, caça predatória, crescimento urbano, contaminação por substâncias radioativas e metais pesados, erosão, degradação de habitat, poluição e aquecimento global.

Atividades antrópicas de larga escala que impactam a natureza. Fonte: Mariana P. Haueisen, 2020.



Apesar das Unidades de Conservação de Proteção Integral terem seus motivos de reconhecimento em certos casos, é sempre importante dar preferência para o reconhecimento de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e de áreas protegidas, que vão garantir a ocupação da área pelas comunidades que já viviam ali com seus respectivos modos de manejo e relação e extração de recursos da natureza. É importante garantir isso, antes que essas populações sejam drasticamente reduzidas ou mesmo eliminadas, fazendo com que percamos uma importante parte da nossa história, conhecimento e modelo de relação com a natureza.




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Bibliografia


ARRUDA, R. "Populações tradicionais" e a proteção dos recursos naturais em unidades de conservação. Ambiente & sociedade, n. 5, p. 79-92, 1999.


DIEGUES, A. C. S. Etnoconservação da natureza: enfoques alternativos. Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos, 2000.


DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. 3ª edição. São Paulo: HUCITEC, 2001.



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