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Aquários de visitação pública como ferramenta de conservação de espécies

Atualizado: 4 de mar. de 2022

Autores: Lucas Rodrigues da Silva, Mariana P. Haueisen, Thais R. Semprebom, Marcus Farah e Douglas F. Peiró



A fotografia nos mostra um aquário. Em primeiro plano há uma estrela-do-mar aderida ao vidro, com sua boca voltada para a câmera. Ao fundo, existem rochas, onde um ouriço-do-mar e uma outra estrela-do-mar estão aderidos. A água é cristalina, evidenciando os detalhes dos animais.

Estrela-do-mar em um tanque de observação no Aquário Marinho do Rio de Janeiro. Fonte: Lucas Rodrigues, 2018 ©.



BREVE HISTÓRIA DOS ZOOLÓGICOS E AQUÁRIOS


A domesticação de animais é uma prática antiga, tendo registros de 5 mil anos atrás, no Egito antigo. No início, essa prática tinha como função primordial a criação animal para alimentação. Ainda nessa época começaram-se as primeiras coleções de animais selvagens. Essas coleções eram mantidas por imperadores, reis e chefes de estado como uma forma de demonstração de poder. Elas geralmente eram instaladas em praças de palácios e não eram abertas à visitação. Apenas convidados podiam vê-las. Um dos casos conhecidos é o do Faraó Tuthomosis III (1.501-1.477 A,C), que enviou caravanas à Somália para capturar aves, leopardos e macacos, o que reforça a ideia de que a prática de manter animais selvagens em cativeiro para entretenimento pode ser datada A.C. Nessa época os animais eram retirados do seu habitat natural, e não havia nenhuma preocupação com o seu bem-estar. Essa prática durou por muito tempo, e apenas em 1752 foi criado o primeiro zoológico aberto à visitação pública, em Viena, na Áustria. Em 1826 os zoológicos foram reconhecidos como centros de pesquisa, e continuam passando por diversas mudanças e aperfeiçoamentos até os dias de hoje.


Hoje, segundo a legislação brasileira (Lei Nº7.173, 14 de Dezembro de 1983), os zoológicos podem ser definidos como: “qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública”. Tal definição engloba zoológicos e aquário atuais.


A criação de peixes é conhecida antes mesmo do século I, onde romanos, a fim de obter status social, tinham o costume de armazenar esses animais em tanques artificiais de mármore. Porém, a reposição dos peixes tinha que ser constante, pois o conhecimento sobre a manutenção da qualidade da água era praticamente nulo.


A palavra “aquário" surge no século XIX, com o significado de “reservatório de água com animais marinhos”. Inicialmente, entre 1840 e 1850, os aquários foram utilizados como ferramenta científica, principalmente para observação dos organismos marinhos vivos. As informações sobre manutenção e construção dos aquários eram restritas aos jornais científicos, o que acabou tornando esse conhecimento exclusivo aos naturalistas e estudiosos da época. Em 1853, ficou claro que os aquários poderiam ser utilizados como uma fonte de entretenimento, e com isso, a inauguração do Aquário de Londres se concretizou, seguido de vários outros aquários em diferentes países nos anos seguintes.



Ilustração em preto e branco. Ela retrata uma exposição no Aquário de Londres, onde diversas pessoas observam diferentes animais marinhos em aquários. Existem diversos aquários espalhados pelo local.

Ilustração representando o evento ‘Exposição Internacional de Pesca’ em Londres, no ano de 1883. Fonte: Whymper, F./Freshwater and Marine Image Bank. (Domínio Público).



AQUÁRIOS ATUAIS


Apesar de existirem opiniões contrárias à manutenção de alguns animais sob cuidados humanos, as instituições zoológicas modernas possuem um sério compromisso com o bem-estar animal, e atuam em função de quatro principais pilares - conservação, educação, pesquisa e lazer. Além disso, existem as associações de zoológicos e aquários, que propõem melhores práticas para as instituições, buscando garantir que esses pilares realmente sejam colocados em prática. As associações também possuem processos de certificação que mostram o compromisso das instituições certificadas com os pilares. No Brasil, a Associação dos Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), possui o processo de certificação em bem-estar animal.



BEM-ESTAR ANIMAL


O bem-estar animal é prioridade nos aquários e zoológicos modernos, e para atingi-lo, existe o modelo dos ‘Cinco Domínios do Bem-estar animal’: nutrição, ambiente, saúde física, comportamento e estado mental. Seguindo esse modelo, é possível garantir que o animal esteja nutrido, que ele tenha um ambiente que ofereça desafios e a possibilidade de escolha, que ele tenha cuidados veterinários de forma a garantir sua saúde física, que ele possa expressar seus comportamentos naturais e que ele tenha uma saúde mental adequada. Com esses domínios sendo praticados, será possível atingir o estado de bem-estar do animal. Atividades como o enriquecimento ambiental e o condicionamento operante são ferramentas que tem o objetivo de propor desafios e estimular os instintos naturais dos animais, e podem auxiliar nesse trabalho.



A foto nos mostra um urso-polar  em um recinto do Aquário de São Paulo, interagindo com um monte de neve. O recinto é bem iluminado e o urso, aparentemente, escala o monte de neve.

Um urso-polar interagindo com o gelo, um exemplo de enriquecimento ambiental. Fonte: acervo Aquário de São Paulo/Marcus Farah ©.



CONSERVAÇÃO


Os aquários e zoológicos têm um papel muito importante na conservação das espécies, podendo atuar em diversas frentes: apoiando técnica, científica, e financeiramente projetos e instituições que trabalham com a conservação das espécies em seu habitat natural; fazendo resgate e reabilitação de animais silvestres; bem como reproduzindo espécies ameaçadas de extinção, garantindo uma população reserva e uma variabilidade genética para essas espécies.


Em 2018 foi assinado um acordo de cooperação técnica entre a AZAB e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para a conservação de 25 espécies foco do programa de manejo ex situ de espécies ameaçadas, com o objetivo de estabelecer protocolos de manejo fora do habitat natural para essas espécies. Além de mamíferos e aves, também estão incluídas no programa espécies de répteis, anfíbios, peixes de água doce e duas espécies de tubarões.


Em relação a origem dos animais, muitos já são nascidos sob cuidados humanos, ou são animais resgatados que não tem mais condições de retornar a natureza, e são encaminhados para essas instituições, onde se tornam embaixadores da sua espécie, ajudando a conscientizar os visitantes sobre os problemas que eles vêm enfrentando na natureza, como o aquecimento global, o desmatamento, queimadas, atropelamentos e o tráfico de animais.



A foto nos mostra um tanque de contato no Aquário de Ubatuba. O tanque é longo, em formato de "S" e é baixo, facilitando o manuseio dos animais. De um lado, mediadores do Aquário, de outro, os visitantes. Os visitantes possuem a liberdade de manusear os animais. O ambiente se encontra em um ambiente fechado, bem iluminado e diversas pessoas estão próximas à superfície do tanque.

Tanque de contato no Aquário de Ubatuba-SP. Fonte: acervo do Instituto de Biologia Marinha Bióicos ®.



EDUCAÇÃO AMBIENTAL


Estes locais são considerados um espaço de aprendizagem não formal para diversas faixas etárias. Ou seja, um ambiente onde o ensino e a aprendizagem ultrapassam uma sala de aula. Esse espaço promove, na prática, uma aproximação entre o sujeito e o ambiente aquático. Com uma equipe especializada (tratadores, cientistas, comunicadores, conservacionistas, educadores ambientais e outros) os aquários podem abranger, além do cunho científico e conservacionista, o de entretenimento e a educação ambiental. Esses aspectos (e não só eles) podem servir como pilares de atividades em um aquário.


A educação ambiental pode ser trabalhada de diversas formas, desde exposições com stands interativos, painéis explicativos com curiosidades próximas aos tanques, atividades de monitorias com educadores ambientais ou até mesmo com palestras visando à conservação de espécies e ecossistemas.


Em aquários, especificamente, podem ser trabalhados temas como o aquecimento global, a sobrepesca, o consumo sustentável e a poluição dos oceanos.



Na foto podemos observar uma foto do recinto das focas no Aquário de São Paulo. Nele, podemos observar uma foto de uma placa de advertência pra o descarte incorreto de lixo e de como as focas podem ser afetadas por ele. Na água podemos observar uma foca submergida e ao fundo, rochas simulando o habitat do animal.

Painel Focas - Lixo nos Oceanos. Fonte: acervo Aquário de São Paulo/Marcus Farah ®.



PESQUISA


Aquários e zoológicos funcionam como laboratórios vivos, oferecendo uma grande oportunidade para estudar espécies selvagens, de uma forma que seria muito mais desafiador, ou mesmo impossível, se não existissem essas instituições. Através das pesquisas desenvolvidas em ambiente controlado é possível descobrir novas informações sobre a biologia e o comportamento de diversos animais. Informações essas que podem auxiliar no aprimoramento de protocolos de manejo para garantir o bem-estar dos animais, bem como trazer novos conhecimentos que poderão ajudar no desenvolvimentos de programas de conservação das espécies na natureza.



LAZER


O lazer também é importante, pois as pessoas que visitam aquários e zoológicos o fazem como uma forma de diversão ou relaxamento. Porém, esse momento de lazer acaba sendo uma grande oportunidade, uma vez que as pessoas estão cada vez mais distantes do meio natural, e ao visitar essas instituições elas têm a oportunidade de ver animais selvagens de perto e de se encantar com eles, se reconectando, mesmo que um pouco, com a natureza. No caso dos aquários, elas são apresentadas a um mundo completamente diferente, podendo ver animais que não conseguiriam ver de outra maneira, a menos que fizessem um mergulho no mar. Unindo esse momento de diversão e encanto com informação e educação, é possível engajar o visitante e despertar nele a vontade de proteger os animais e a natureza.


Em resumo, os aquários e zoológicos possuem uma grande importância para a conservação das espécies, para a pesquisa e para a educação ambiental. Algumas instituições possuem mais recursos do que outras para realizarem esses trabalhos, mas todas precisam evoluir e continuar se aprimorando cada vez mais.


A seguir, temos um estudo de caso sobre o Aquário de São Paulo.


AQUÁRIO DE SÃO PAULO



A foto nos mostra a fachada do Aquário de São Paulo. O dia está claro, o céu possui algumas nuvens e a fachada é, em sua maioria, espelhada de cor azul.

Fachada do Aquário de São Paulo. Fonte: Peter Louiz/Wikimedia Commons (CC0).



Localizado no município de São Paulo/SP, o aquário de São Paulo é um exemplo de aquário que apresenta boa conduta, sempre visando o bem-estar animal. O Aquário apoia diversos projetos de conservação de espécies em vida livre, realiza pesquisas científicas, trabalhos de educação ambiental, programas de sustentabilidade ambiental e também é certificado em bem-estar animal pela AZAB. Em uma breve entrevista com o representante do aquário Ricardo Cardoso (Oceanógrafo), foram abordados temas como: manutenção da água, dinâmica de predação, setores científicos, entre outras questões que mostram o compromisso do Aquário de São Paulo com essas questões.


Segue a entrevista na íntegra:


Equipe Bióicos (Lucas R.): Como o Aquário de São Paulo contribui com a conservação?


Ricardo Cardoso (RC): Através de nosso programa de educação para conservação, trazendo ao conhecimento de nosso público sobre os principais problemas ambientais que as espécies estão sujeitas. Também através do apoio técnico, científico e financeiro que oferecemos às instituições que trabalham com animais de vida livre como o projeto Tamanduá, Peixe-boi da Amazônia e também por meio de todo nosso processo de divulgação de ações, como nosso marketing digital que eu acredito que seja muito importante nesse processo de educação para conservação, principalmente no momento atual.


EB (Lucas R.): Existe algum setor científico que promova pesquisa no Aquário de São Paulo?


RC: Sim, existe um comitê científico que avalia todos os projetos de pesquisa, tanto internos, de colaboradores e estagiários da própria instituição, quanto externos que são enviados através das universidades. Esse comitê científico avalia todos os projetos e dá o seu aval com relação à possibilidade de realização ou não de cada um deles.


EB (Lucas R.): Quando o animal morre, como é feita a reposição? Vocês reproduzem esses animais em cativeiro?


RC: Algumas espécies se reproduzem nos aquários e zoológicos e geralmente terão como destinação outras instituições zoológicas, o que é permitido. Nós mesmos já encaminhamos animais reproduzidos aqui para outros aquários e zoológicos. Já as espécies que são consideradas recursos pesqueiros, seja como animais domésticos através do mercado da aquariofilia, são adquiridos através dos seus distribuidores legalizados, seja distribuidor de peixes ornamentais com o aval do ministério da agricultura, ou seja, de um pescador profissional. Por outro lado, alguns animais que são encaminhados ao Aquário pelo Ibama e/ou pela Polícia Ambiental, geralmente são de origem do tráfico ou de apreensão por maus tratos, não se tem o domínio da reprodução dessas espécies em cativeiro, esses exemplares não são repostos quando virem a óbito.


EB (Lucas R.): Como vocês lidam com a competição e predação entre os animais?


RC: Através de um programa muito bem estabelecido de manejo nutricional. Todo predador trabalha com o equilíbrio da sua necessidade de predar, (sua necessidade de adquirir alimento) e o esforço que ele vai gastar para adquirir esse alimento. Quando se tem um alimento disponível sem muito esforço, que é o caso dos alimentos que nós fornecemos no manejo nutricional, o animal acaba tendo predileção por esse tipo de alimento, ele não vai precisar caçar, não vai precisar gastar energia, não vai precisar perder tempo em emboscadas, ele vai receber a quantidade de alimento necessário para suprir sua demanda nutricional, então partindo desse princípio, não há menor necessidade dele se mobilizar em uma situação de predação já que ele tem esse recurso alimentar disponível sem gasto energético. Então a manutenção de um regime muito bem elaborado de manejo nutricional permite que nós tenhamos em um mesmo recinto presa e predador sem que haja predação.


EB (Lucas R.): Como é feita a limpeza da água?


RC: Através de todo o sistema de filtragem, ai vai depender do tamanho, porte e demanda do aquário para dimensionar esse sistema de filtragem, mas nós trabalhamos com um sistema de filtragem dentro dos aquários que atendem uma filtragem mecânica, que de forma resumida tira as partículas grosseiras que estão na água, restos de comida, escamas, restos de madeira em decomposição e folhas de plantas. E existe um sistema de filtragem biológico da água, que retira matéria orgânica que já foi dissolvida e entrou em um processo químico de decomposição dentro da água. O filtro biológico é responsável por tirar essa matéria orgânica diluída e atrás de intervenção pessoal mesmo, o tratador entrando no recinto para fazer uma aspiração de fundo, passar uma rede para retirar materiais na superfície, coletar pontualmente algum contaminante de maior tamanho. Dessa forma, podemos dizer que a qualidade de água dos aquários é conquistada através da ação direta do aquarista retirando partículas e aspirando o fundo do aquário e do funcionamento contínuo do sistema de filtragem, 24h/dia.


EB (Lucas R.): Vocês promovem algum tipo de enriquecimento ambiental para os animais?


RC: Sim, constantemente e regularmente. Vai depender de cada espécie e dos seus hábitos comportamentais e o ambiente que eles vivem, mas nós temos um programa muito diversificado de enriquecimento ambiental que atende desde os pequenos peixes até os grandes mamíferos, todos os nossos animais passam por um programa de enriquecimento ambiental.




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Bibliografia


BARONGI, R.; FISKEN, F. A.; PARKER, M. & GUSSET, M. (eds) (2015) Committing to Conservation: The World Zoo and Aquarium Conservation Strategy. Gland: WAZA Executive Office.


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HOLANDA, P.C. (2016). O papel dos aquários públicos no antropoceno: uma avaliação da "estratégia global dos aquários para conservação e sustentabilidade". Dissertação de Mestrado - UFC. Fortaleza-CE. Disponível em:<http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/22572>. Acesso em: 14 mai. 2020.


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SALGADO, M.M. & MARANDINO, M. O mar no museu: um olhar sobre a educação nos aquários. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, 2014. p. 867-882. Disponível em:<https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v21n3/0104-5970-hcsm-21-3-0867.pdf>. Acesso em: 14 mai. 2020.


SANTOS, S.L.O.; SANTOS, E.O. & GIORDANO, F. Educação Ambiental em Aquários: Comparação de Exposições em Portugal e no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Pós-Graduação v. 3, n. 1, p. 2594-6153, 2019. Disponível em:<https://periodicos.unisanta.br/index.php/ENPG/article/view/2090/1588>. Acesso em: 14 mai. 2020.




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