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Baleias e seres humanos: o progresso entre nossas interações

Atualizado: 4 de dez. de 2020

Autores: Fernanda Cabral Jeronimo, Raphaela A. Duarte Silveira, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró



A imagem representa uma gravura de como era a caça de cachalotes. No mar e em meio a muitas ondas, há duas cachalotes principais em movimento, sendo atacadas por homens equipados de arpões que tripulam dois botes a remo. Inclusive um terceiro bote está no ar e seus tripulantes caídos, devido ao movimento brusco do animal. Em volta, há uma terceira cachalote respirando, portando há seu borrifo representado, e mais botes a remo e barcos maiores ao fundo.

Gravura retirada do livro "A história natural da cachalote", p.10, escrito por Thomas Beale, em 1839. Fonte: Internet Archive (CC0).



Os cetáceos (baleias, golfinhos e cachalotes) são animais migratórios que, muitas vezes, podem ser avistados da terra. Aqui abordaremos a histórica relação entre as baleias e a espécie humana. As crescentes avistagens dão esperança à conservação desses animais em seu habitat natural, porém esse cenário nem sempre foi harmonioso. No artigo ‘Baleias à vista’ da nossa revista você pode ler mais sobre a biologia e as espécies brasileiras.



O HISTÓRICO DA CAÇA NO MUNDO


Registros pré-históricos evidenciam que a interação iniciou pela coexistência do Homo sapiens e das muitas espécies de cetáceos, em um mesmo período e local. De forma natural e sobrevivente, o ser humano viu nos cetáceos uma fonte de recursos, dentre eles o alimento em abundância e material para a fabricação de armas e ferramentas. Citações em hieróglifos do Egito Antigo também demonstram a caça de baleias e golfinhos por nativos.


Com o avanço da tecnologia, as navegações possibilitaram a captura ativa e dominação sobre o recurso. Botes a remo eram operados por aproximadamente seis a oito escravos africanos e o arpoador. Devido ao tamanho reduzido e à facilidade de captura, os filhotes eram sempre os primeiros alvos. Com o desenvolver da atividade e da habilidade, indivíduos maiores e diversas outras espécies também foram abatidas.



A imagem representa gravura de 1854, onde o cenário é composto por duas montanhas, uma à esquerda e outra à direita, que formam um vale inundado por água. Nesse vale, a pintura evidencia a abundância de barcos a remo com homens à bordo caçando uma grande quantidade de baleias com arpão. O cenário em volta é composto por mais montanhas.

Gravura do livro "Uma narrativa do cruzeiro do iate Maria entre as Ilhas Feroe no verão de 1854.", p. 73 e 74, escrito por A. H. Davenport. (Londres: Longman, Brown, Green & Longmans, 1855). Fonte: British Library (CC0).



A carne era considerada de baixa qualidade, portanto era destinada aos escravos, diferentemente da língua, considerada produto nobre. Os demais produtos derivados eram de grande interesse econômico.


O derretimento da camada de gordura dava origem ao óleo, utilizado em lamparinas, medicamentos e na elaboração de argamassa. Cada baleia processada gerava cerca de 6.800 litros de óleo. As fibrosas barbatanas eram utilizadas na confecção de vestuários, como saias, espartilhos e chapéus, e os ossos originavam móveis. O espermacete das cachalotes (substância cerosa armazenada na porção frontal da cabeça, que auxilia na flutuação e submersão) era visado para a fabricação de velas e lubrificantes. Assim, os produtos derivados das baleias tornaram-se a base da sobrevivência e produto de lucro para empresários baleeiros.



O HISTÓRICO DA CAÇA NO BRASIL


No Brasil, a caça data da era colonial. A abundância de baleias foi destacada pelo nobre português Gabriel Soares de Almeida, em 1587, que comunicou à corte que tamanha quantidade de baleias poderia resultar na produção de tanto óleo que não haveria embarcações suficientes para exportá-lo. E, assim, a caça foi introduzida em 1602, realizada por toda a costa. O óleo derivado do processamento da gordura desses animais tornou-se um importante produto de exportação para o governo português, que atribuiu importância econômica à caça.


A caça rudimentar com botes a remo foi realizada no Brasil pelos próximos 200 anos. A modernização dos métodos de captura surgiu somente no final do século XIX, a partir da invenção do canhão de arpão. Em conjunto com o aumento das frotas baleeiras, o número de capturas aumentou severamente.


No entanto, novas técnicas de iluminação, como a gás e elétrica, além de produtos procedentes do petróleo, substituíram aqueles advindos da gordura das baleias, que eram cada vez menos vistas em águas brasileiras. A caça, que era uma atividade tão lucrativa, tornou-se desinteressante quando a população de baleias diminuiu severamente devido à superexploração, levando-as à beira da extinção. Não havia mais o que caçar.


Em 1973, um último exemplar de baleia-franca-austral (Eubalaena australis), uma das espécies mais procuradas, foi capturado em Santa Catarina, simbolizando o fim da caça no Estado e a possível extinção da população brasileira de baleias franca, cenário observado em muitos lugares do mundo. Porém, a lei federal de proibição à caça foi criada apenas em 1987, 14 anos depois de um limbo absoluto da espécie.



O INÍCIO DA TRANSFORMAÇÃO


Ao passo que as ideias lucrativas se faziam presente na época da caça, as ideias opostas sempre existiram. Na década de 1970, movimentos ambientalistas de todo o mundo se opunham à caça comercial, alertando sobre os perigos da queda no número de indivíduos e extinção das espécies, ressaltando sua importância para a cadeia ecológica. A partir dessa época nasceram muitas das instituições que conhecemos atualmente (Projeto Golfinho Rotador, Projeto Toninhas, Projeto Baleia Jubarte, Projeto Cetáceos), cujo trabalho é a preservação de espécies ameaçadas de extinção.


Em 1975, nascia a Organização Não Governamental Greenpeace, criado por ativistas que atuavam em um simples barco, com o objetivo de interpor-se à caça comercial de baleias mediante a imposição de botes infláveis que bloqueavam os arpões. Mais tarde, a instituição se ramificaria com a saída do Capitão Paul Watson, em 1977, para que o Sea Shepherd fosse fundado em 1981, conhecido por intervir na caça dos cetáceos até os dias atuais.


No cenário brasileiro, a Associação Paraibana de Amigos da Natureza (APAN) foi criada em 1978, com o objetivo de cessar a caça em território nacional por meio da sensibilização populacional e pressão governamental. Mais ao sul do país, em 1984, foi criado o Projeto Baleia Franca, atual Instituto Australis, que na época contava com entrevistas e avistagens populares para o estudo de baleias-francas-austrais e demonstrou que a população brasileira de baleias franca não havia sido extinta e precisava de atenção. Essas pessoas fizeram o possível para que a população mudasse seu olhar sobre a atividade baleeira e assumissem uma postura ecológica.



A foto mostra uma parte cabeça de uma mãe e de um filhote de baleia franca para fora d'água, em mar aberto. A pele das baleias tem coloração escura e sua cabeça apresenta protuberâncias similares a grandes verrugas, chamadas calosidades. A baleia adulta está borrifando, apresentando um jato de vapor no topo da sua cabeça.

Mãe e filhote de baleia franca. Registro obtido a partir do turismo de observação embarcado na Península Valdez, Argentina. Fonte: Fernanda Cabral, 2018 ©.



O CENÁRIO ATUAL


Os estudos atuais evidenciam o crescimento da população de baleias no Brasil. Cada vez mais aparições são registradas e temos a oportunidade de vislumbrar esses animais até mesmo a partir da terra, algo que não era possível há poucos anos. Portanto, muitas instituições trabalham incansavelmente para que a preservação continue.


Apesar de o Japão, a Noruega e a Islândia ainda comercializarem cetáceos legalmente, ambientalistas trabalham nessa e em demais questões que ainda causam impacto, como a poluição pelo lixo e a colisão com embarcações. Por outro lado, as interações positivas são aliadas à conservação, como o turismo de observação e a pesca cooperativa. Ações como essas reforçam a importância da espécie e a sensibilização necessária para que a coexistência de seres humanos e cetáceos possa existir de forma pacífica.



A foto mostra, em primeiro plano, um pescador em uma laguna, com a água até a parte superior das coxas, segurando uma rede em sua mão, denominada tarrafa. Em segundo plano, cerca de dez metros à frente, está a nadadeira dorsal de um golfinho que participa da pesca de forma conjunta.

Pesca cooperativa com tarrafa junto ao golfinho da espécie Tursiops truncatus em Laguna, Santa Catarina - Foto: Aline Salvador Vanin, 2018 ©.



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Bibliografia


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