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Desova das tartarugas marinhas: a grande jornada de volta à praia natal

Atualizado: 4 de mar. de 2021

Autores: Aline Pereira Costa, Raphaela A. Duarte Silveira, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró



Na imagem vemos uma tartaruga de couro (ela é negra com pequenas pintas brancas espalhada por todo corpo). A tartaruga se arrasta por cima de uma areia mais escura com aspecto de molhada no sentido oposto ao mar (saindo da água). Ao fundo pode se ver a água do mar formando pequenas ondas.

Fêmea adulta de Dermochelys coriacea (tartaruga de couro) em busca de área para nidificar em Trindade e Tobago Fonte: Jordan Beard/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0).



Talvez muitos não saibam, mas as fêmeas das tartarugas marinhas saem do mar e sobem em terra firme para desovarem, mais especificamente nas praias que elas nasceram, e por isso podemos dizer que a ‘boa filha à casa torna’. As tartarugas passam praticamente toda a vida em alto mar, migrando entre as áreas de forrageamento (alimentação) e as áreas de reprodução (acasalamento e desova).



A foto mostra o oceano com duas tartarugas com a metade inferior submersa copulando, sendo um macho em cima da fêmea, na localidade que chamamos de área de reprodução.

Casal de tartarugas marinhas acasalando em área de reprodução. Fonte: David Mark/Pixabay.



Mas o que sempre intrigou os pesquisadores é como esses animais são capazes de voltar exatamente às praias que eles nasceram, tendo em vista que passam anos em águas marinhas distantes da costa e, consequentemente, de sua praia natal.


O fato é que as fêmeas de tartarugas marinhas, quando em seu período reprodutivo, voltam às mesmas praias em que nasceram para nidificar, isto é, cavar ninhos e depositar seus ovos, e elas só são capazes de retornar porque se utilizam do magnetismo terrestre para se orientar (veja vídeo explicativo na bibliografia).


Esse comportamento de retorno à mesma praia de nascimento é conhecido por filopatria natal ou natal homing e já foi observado a partir de anilhamentos (marcações) realizados em fêmeas durante as desovas. Além disso, esse comportamento também pode ser observado em estudos genéticos com análise do DNA mitocondrial. Neste tipo de análise o padrão presente será o de herança materna - significando que a sequência do DNA mitocondrial dos filhotes será idêntica ao da mãe.



Foto de uma fêmea de tartaruga marinha sobre a areia clara depositando ovos em uma cova (ninho), a areia está com prováveis algas, que na foto está representado por trechos mais escuros, e mais ao fundo da imagem tem-se o mar com pequenas formações de ondas.

Fêmea de Lepidochelys kempii em uma praia nidificando (depositando seus ovos). Foto: skeeze/Pixabay.



Sabe-se que as tartarugas marinhas são capazes de orientar-se por meio do campo magnético da Terra, assim navegando milhares de quilômetros em mar aberto e retornando a sua praia natal na época reprodutiva para desovar. Essa orientação só é possível de ocorrer devido a dois tipos de ações do campo magnético sobre as tartarugas: uma das formas é conhecida por direcional ou bússola e a outra por “mapa magnético”.


A forma de orientação direcional ou bússola é quando a informação emitida pelo campo magnético ocorre de forma direcional. Neste caso, a tartaruga é capaz de se direcionar ao norte, por exemplo. Já a outra forma é conhecida pela presença de um “mapa magnético”, no qual o animal é capaz de derivar informações da posição do campo da Terra, o que significa que a tartaruga consegue “captar” a posição do campo magnético terrestre para se mover em direção ao seu destino.


Com isso, se a tartaruga seguir uma direção, ela ‘irá usar’ a bússola magnética, mas, se ela precisar seguir uma posição, ela ‘usará’ o mapa magnético. Essa percepção do campo magnético pelas tartarugas marinhas pode ter relação com a presença de partículas de magnetita, que nada mais são que bases minerais presentes em seus tecidos encefálicos.



A esquerda tem-se um circulo representando o planeta em que uma linha sigmoide passa de um lado ao outro. Alem disso, a parte de cima (norte) tem setas como se tivesse entrando circulo, enquanto a parte de baixo (sul) as setas estão saindo. Ao lado esquerdo desse circulo tem-se outra figura no qual forma-se um quadrado com a lateral esquerda em aberto. A parte de cima é representado por uma seta que segue a direção da esquerda para direita (componente horizontal), a lateral direita é uma seta no sentido de cima para baixo (componente vertical). A parte de baixo do quadrado é apenas uma linha (representando a superfície da terra). Entre o encontro da seta cima e a seta para baixo sai uma seta na diagonal no sentido da direita para a esquerda (intensidade do campo).

Representação do campo magnético da Terra. A) O diagrama mostra as linhas de campo (setas) cruzando a superfície da Terra e como o ângulo de inclinação (formado entre as linhas de campo e a Terra) varia com a latitude. No equador magnético (linha curva da Terra) as linhas de campos são paralelas à superfície da Terra. As linhas de campo tornam-se mais inclinadas à medida que viajam para o norte em direção ao polo magnético. B) Diagrama mostrando vetores de campo geomagnético, que a princípio fornece às tartarugas informações sobre posição. O campo presente em cada localidade da Terra pode ser descrito pela intensidade total do campo e o ângulo de inclinação. Fonte: adaptado de Lohmann et al. (2008).



Além disso, estudos recentes evidenciaram que as tartarugas marinhas também são capazes de reconhecer assinaturas magnéticas específicas presentes nos litorais. De acordo com o pesquisador J. Roger Brothers, da Universidade da Carolina do Norte, a tartaruga é capaz de marcar o campo magnético da praia em que nasceu enquanto ainda era filhote e usar para retornar a esta mesma praia quando está em sua época de desova. Isto é provável de acontecer porque cada praia tem como se fosse um código específico de campo magnético. Então, enquanto filhotes, essas tartarugas são capazes de “gravar” esses códigos e usá-los posteriormente quando houver necessidade de voltar à terra firme para desovarem.



A figura é um mapa em cinza representando costa sudeste dos Estados Unidos. Atras da parte cinza tem divisões coloridas feitas com linhas. Contornando a representação do mapa em cinza tem alguns pontos em preto distribuídos ao longo dessa costa.

Mapa mostrando as isolinhas do ângulo de inclinação magnética ao longo da costa sudeste dos Estados Unidos com 20 pontos representando a praia de nidificação. Nesse mapa, cada linha preta representa uma isolinha de um ângulo de inclinação. Cada pontilhado preto representa uma das 20 praias de ninho incluídas em nossas análises. Note que algumas praias de ninho em lados opostos da península da Flórida estão próximas da mesma isolinha e, portanto, têm assinaturas magnéticas semelhantes. Fonte: adaptado de Brothers e Lohmann (2018).



Mas por que elas têm a necessidade de voltar à mesma praia que nasceram para aninhar seus ovos? Para J. Roger Brothers, as tartarugas voltam a sua praia de nascimento pois este comportamento evolutivamente selecionado é a única certeza que irão fazer a postura dos ovos em um lugar ideal para o desenvolvimento destes. Porém, a certeza de lugar ideal para o desenvolvimento de seus ovos não tem sido garantido, tendo em vista que ao retornarem à sua praia natal as fêmeas podem encontrar o ambiente bem diferente de quando elas nasceram. Uma vez que seu habitat de desova tem sofrido com a crescente ocupação litorânea (ex. construção de edifícios, barracas de praia).


Diante de anos de estudos para buscar entender como as tartarugas marinhas seriam capazes de retornar às praias em que nasceram para depositarem seus ovos, elas se mostraram capazes de completar sua migração com sistemas de orientação bem aprimorados, utilizando como orientação o campo magnético da Terra e o reconhecimento de assinaturas magnéticas específicas à praia em que nasceram. O fato é que a migração das tartarugas marinhas ainda possuem alguns mistérios, e os pesquisadores precisarão de mais estudos para tentar entender o comportamento desses répteis.



Imagem mostra um filhote de tartaruga arrastando sobre a areia no sentido do mar alcançando as ondas que formam um tipo de espuma.

Início da jornada de um filhote de Chelonia mydas (tartaruga-verde). Foto: skeeze/Pixabay.




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Bibliografia


BOLTEN, A. B.; Loggerhead released in Brazil recaptured in Azores. Marine Turtle Newsletter, v. 48, p. 24-25, 1990. Disponível em: <http://tamar.org.br/publicacoes_html/pdf/1990/1990_Loggerhead_Released_in_Brazil.pdf> Acesso em: 08 abr. 2020.


BROTHERS, J. R.; LOHMANN, K. J. Evidence that magnetic navigation and geomagnetic imprinting shape spatial genetic variation in sea turtles. Current Biology, v. 28, p. 1325-1329, 2018. Disponível em : <https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(18)30351-8?_returnURL=https%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS0960982218303518%3Fshowall%3Dtrue> Acesso em: 30 jan. 2020.


COSTA, A. P. Mecanismos de migração das tartarugas marinhas. 2011. 32 f. Monografia (Especialização) - Curso de Biologia Marinha, Universidade de Taubaté, Taubaté, 2011.


FONSECA, V.. Lar, magnético lar! Como tartarugas acham o caminho de casa. O Eco. 2015 Disponível em: <https://www.oeco.org.br/noticias/28878-lar-magnetico-lar-como-tartarugas-acham-o-caminho-de-casa/>. Acesso em: 02 fev. 2020.


GOMES et al. Tartarugas marinhas de ocorrência no Brasil: hábitos e aspectos da biologia da reprodução. Ver. Bras. Reprod. Anim. v. 30, n.1/2, p.19-27. 2006.Disponível em : <https://www.researchgate.net/publication/272021106_Tartarugas_marinhas_de_ocorrencia_no_Brasil_habitos_e_aspectos_da_biologia_da_reproducao/link/56f9cb3d08ae7c1fda311c72/download> Acesso em: 29 jan. 2020.


GRANDELLE, R. Tartarugas decoram ponto em que nasceram para retornar no momento da reprodução. Jornal OGlobo. 2015. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/tartarugas-decoram-ponto-em-que-nasceram-para-retornar-no-momento-da-reproducao-15065395>. Acesso em: 02 fev. 2020.


LOHMANN, K. J; et al. Magnetic maps in animals: nature’s GPS. The Journal of Experimental Biology. 210. p. 3697-3705. 2007. Disponível em: <https://jeb.biologists.org/content/210/21/3697> Acesso em: 30 jan. 2020.


LOHMANN, K. J.; et al.. Geomagnetic imprinting: A unifying hypothesis of long-distance natal homing in salmon and sea turtles. PNAS. v. 105 (49). 2008. Disponível em: <https://www.pnas.org/content/105/49/19096> Acesso em: 09 fev. 2020.


MACEDO, J. Campo magnético orienta tartarugas. Jornal Estado de Minas. 2015. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2015/01/21/interna_tecnologia,609972/campo-magnetico-orienta-tartarugas.shtml>. Acesso em: 09 fev. 2020.


Science Magazine. We don’t know: Magnetoreception. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tdXb_4EkYtU> Acesso em: 23 mar. 2020.



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